quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Desavisada percepção

Na releitura de um poeta
que é mais seu,
percebo que tudo,
por que não?
pode, poderia, ser um sonho,
um encanto, nada em vão,
um desafio, uma aprendizagem,
uma desmedida inspiração.

Se o universo é capaz de perceber
deve ficar, assim, em contentamento
quando aquele alguém,
que detém o dom de escrever,
escreve.

Porque é assim, quando a mágica
de transformar a vida em palavras,
se materializa sobre a finíssima aspereza
da folha branca 
daquele papel que ficou,
fora do tempo, a espera,
à deriva de um pensamento,
de uma emoção.

Haverá coisa mais digna que
gastar a tinta de uma caneta
sobre uma desesperada
folha branca de papel?

A resposta mais certa
é, por exemplo, a terna frieza
de “escrevinhar” sobre tudo e todos,
mesmo sobre um menino Jesus
que assim se encarna
na beleza mais crua
de um poema ungido
de Alberto Caeiro.

E tudo que é menino, menina
nos remete ao cerne do maior
dos mistérios que é
saber discernir entre o que é,
o que foi, o que ainda será ou seria
um momento sério, severo, ou
apenas uma inesquecível
e eterna brincadeira,
infante folia.

Quem é você diante dos seus próprios olhos?
Alguém ainda vivo?
Ou um ente fantástico
ainda nebuloso,
quase morto,
cheio de receio da vida?

Haverá coisa mais divertida
do que bagunçar os mundos
arrumados, organizados,
purificados e abençoados,
descritos nos livros da história insólita
do futuro em formação?

Não! É esta uma divina heresia
que as palavras escondem
sob as suas corpóreas letras,
semânticas e sintaxes,
sem mencionar que ali
sempre existirá, enfim findará,
uma irresoluta alma, 
um emocionado coração.

Por isso, tudo que se escreve
ao dom das ondas dos ares
da estratosfera da razão
é digno da nossa mais
sintonizada atenção,
do nosso maior e indestrutível,
irreparável e inesquecível amor.

Por isso, flutuam no ar,
pensamentos ainda não escritos,
ainda não ditos,
que para sempre
ficarão subentendidos,
por este universo,
jamais percebidos.